"
Deixo com todos, poetas e leitores, trechos do poema de Fernando Pessoa. Lindo poema que fala do Menino-Deus, que habita o universo poético e imaginário do autor e por isso mesmo é tão humano e, portanto, pode nos mostrar como ver e ouvir e como ser poeta na existência."
Um Feliz Natal a todos,
Cynthia Lopes
O guardador de rebanhos - VIII
Fernando Pessoa
(Alberto Caeiro)
Num meio dia de fim de primavera
tive um sonho como uma fotografia
vi Jesus Cristo descer à terra,
veio pela encosta de um monte
tornado outra vez menino,
a correr e rolar-se pela erva
e a arrancar flores para as deitar fora
e a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu, (...)
(...)
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a eterna criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
ele é o divino que ri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda certeza
que ele é o Menino Jesus verdadeiro
e a criança tão humana que é divina.
É esta minha cotidiana vida de poeta,
e é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
e o que o meu mínimo olhar
me enche de sensação,
e o mais pequeno som, seja do que for,
parece falar comigo.
(...)
A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
são as cócegas que ele me faz, brincando nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
na companhia de tudo
que nunca pensamos um no outro,
mas vivemos juntos os dois
com um acordo íntimo
como a mão direita e a esquerda.
(...)
Ele dorme dentro da minha alma
e às vezes acorda de noite
e brinca com os meus sonhos,
vira uns de perna para o ar,
põe uns em cima dos outros
e bate as palmas sozinho
sorrindo para o meu sono.
(...)